Agito-me, caio no chão que parece de seda
e escorro de gatas pela lisura do tecido.
Agarro-o e fico por pontas com as pontas dos dedos.
Terei de largar, eu sei.
Tarde ou cedo, é fatal!
Sinto o óleo nas mãos. Já verte… É sempre assim!
E eu que não entendo de mecânica… da mecânica das coisas!
(não vejo)
Um ponto assinala… como o ponto, o sinal
O princípio do resto
O ponto final
Para além do ponto ficam as palavras não ditas
ou as palavras mal ditas
(malditas!)
Maldigo o ponto tão próximo de mim.
(não vejo)
Que me tapem-me os olhos quando te fores
Como não quero que partas também não quero ver
Mesmo sem a anestesia que não vou ter
Eu não quero ver
Não me abras os olhos, tem piedade
Não me injectes nas pupilas a dor de te ver partir
Quero branco!
Se para mim voltares as minhas próprias garras,
vaza-me com elas os olhos
E depois vai.
segunda-feira, maio 29, 2006
não vejo
por
Sílvia Alves
às
21:37
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Memórias de ti


Não estou nos meus melhores dias. A chuva atropela-me mesmo de baixos dos tectos dos sítios por onde vou passando. Mas também não é isso…
Tu…
Tu, que nem sabes porque não sabes nada, porque não queres saber nada, sabes quase tudo sobre mim.
És um corpo e não apenas um fluido…
Vi os teus olhos, enquanto me olhavas, a entrarem visceralmente nos meus e, agora recordo, não foi a primeira vez…
Tu…
Tu que vieste assim sem avisar que vinhas…
Não tenhas pressa de partir… demora em mim, fica… ficaremos quietos por algum tempo a sorrir e em silêncio…
E quando tudo acontecer… o mundo girará ao contrário… e seremos livres
por
Sílvia Alves
às
21:22
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domingo, maio 28, 2006
a fotografia

E partiu-me
Em pedaços
Que eu deitei pelo chão
Joelhos dobrados
Artelhos doridos
Ancas redondas, inclinadas
Braços estendidos
As pontas dos dedos tacteiam o chão
Pupilas cegas procuram
Pedaços de mim no asfalto
Quem amei antes?
Não procuro saber…talvez ninguém
Quem me junta os pedaços?
Quem me fez assim?
Sinto a falta da perda que não tive
Se me faltasse agora o que me detém
Morreria
por
Sílvia Alves
às
23:13
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quinta-feira, maio 25, 2006
A Mulher Duplicada
Choveu toda a tarde.
Já são hora de dormir mas não tenho sono.
A minha tia tem um cinzeiro que me agrada porque é da
Canadian Pacific Airlines.
A minha vizinha tem um cão que chora à hora de almoço.
Eu pinto telas para oferecer no natal por ser dia de festa.
As coisas não são importantes.
As pessoas importantes não são tolas e eu tenho pena.
Hoje sou um caso pouco importante.
Amanhã tudo será diferente.
A esperança acaba por matar!!!
por
Sílvia Alves
às
01:48
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a Miguel Torga e à Cerejeira - "Hora de Amor"
Adormece encostada a este braço
Mais débil do que o teu.
Entrega-te despida
Nas mãos de um homem solitário
Que a maldição não deixa
Que possa nem sequer lutar por ti.
Vem,
Sem que eu te chame, ou te prometa a vida.
E sente que ninguém
No descampado deste mundo, tem
A alma mais guardada e protegida."
por
Sílvia Alves
às
00:47
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quarta-feira, maio 24, 2006
Inquietação
verter a língua
concubinar as palavras
em vómitos viscosos de sangue
de voz num sopro quente
carne crua por dentro da boca
investigar a noite
dentro do corpo
a noite dos dias todos
no estômago
nas veias negras
encontrar a luz que fere os olhos
por dentro
por dentro da terra quente do corpo
perscrutar o sonho
de um sonho
numa camélia viva
como a água rubra
a água das veias que se misturam
na morte
de uma camélia viva
por
Sílvia Alves
às
02:11
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Impressões anódinas




na superfície da pele
por dentro
a temperatura sobe
quente
sangue
sugo
por dentro
sanguessuga
e o frio instalado na pele
à superfície
por dentro da pele
o sangue sugado
quente
instalado
por dentro
por
Sílvia Alves
às
01:15
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sexta-feira, maio 19, 2006
The Yellow left flow off... exhausted… between the black and the white
por
Sílvia Alves
às
19:39
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waiting roof
arranhar de novo as telhas e gastar as unhas
reconstruir o telhado para me sentar sobre ele
espreitar para fora do mundo
para fora do muro
e só restam os olhos que não vazei
chegam os ventos frios de um sul inventado
cristais de gelo espetam-me a pupila nua
vejo ainda a frágil transparência dos teus passos
bebo a transbordar o teu silêncio
quando já bebi das tuas mãos o vinho
sento-me sobre o meu telhado
e o tempo escolhe o lugar
ao meu lado o teu vazio
por
Sílvia Alves
às
17:21
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buraco de ozono

a ponta de aço certeira
na garganta
de lado
no tecido mais mole
misericórdia
(para não sofrer depois)
o sangue transborda
o jorro
o buraco feito pela mesma ponta de aço
olhos diáfanos
não sentem a dor
o momento de furar a pele
um segundo
espetar, enterrar, cravar
o momento anterior
a vida
os olhos postos depostos
sossegados
o peito ruborizado e viscoso
adormece o corpo mole
o momento
um segundo
tomba o corpo amolecido
e os olhos
turvos
turvam definitivamente a vida
por
Sílvia Alves
às
14:25
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quinta-feira, maio 18, 2006
ensáio sobre uma cegueira
Das asas assaz tuas, de um branco que fere, consigo olhar, cega.
Os olhos estão lá, no sítio.
Pelas duas asas eu vejo, cega, as diferenças que abundam
Na invenção do que está além do pano.
Num palco as evidências serão…
Aqui não…
Da cor, que não é, eu ouço os passos
Como se aparecesse devagar a escutar o que eu digo
Uma cama de minerais acesos (como diz ou dizes) digo,
Nas palavras que não escrevo
Desse teu recôndito recanto de clarabóias atentas vejo, cega,
Os dois olhos abertos que agora me parecem três
(como os pássaros à minha janela).
Para além da porta, do pano, do palco
Vejo, cega, a imagem de ti.
eras novo ainda…
por
Sílvia Alves
às
22:08
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nonsense do bom senso
"[...]
A propriedade privada esmagou o verdadeiro individualismo e criou um individualismo falso.[...] Na realidade, a personalidade do homem é tão complectamente absorvida pelos seus bens que a lei inglesa trata as ofensas contra a propriedade com muito mais severidade do que as ofensas contra o seu proprietário. E os bens são ainda o teste da completa cidadania.
[...]"
por
Sílvia Alves
às
17:17
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« /282/ » os meus melhores amigos
"Porque voltas sempre, Alba, quando, às vezes, não abrimos a porta, ou a fechamos na tua cara?"
"Deixa-me pensar."
Vê se arranjas, depressa, um fundamento para isto."
Vou pedir ajuda a Nietzsche, "o meu melhor amigo é o que me dá a cama mais dura."
"Alba, Nietzsche não morreu doido?"
"Morreu, mas quando escreveu aquilo estava mais lúcido do que tu ou eu jamais estaremos."
por
Sílvia Alves
às
16:35
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DRAMA CURTO








por
Sílvia Alves
às
16:02
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segunda-feira, maio 15, 2006
Morre-se
a vida não é grave
aguda
aguçada
afilada
amolada
amolgada
achatada
a vida é abatida de vez em quando
por
Sílvia Alves
às
16:16
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sem título
Dentro da pele
Por dentro da própria pele
A memória dilui-se
A tentação das coisas passadas
Passadas por mim numa linha paralela
Ausentes de mim
Diluídas por dentro da pele paralela,
Paralelas à pele
Diluídas em mim.
Misturadas na memória
As coisas passadas espreitam-me
Olham-me por dentro e de dentro de mim
Olham-me pela parte de dentro da minha pele
À espreita
Espreitando o lado de fora da pele
À espera
Esperando o lado de fora da tentação
O que ainda sobra da tentação
por
Sílvia Alves
às
15:59
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dor ... a dor ...a opinião da dor...
O mundo de dentro para dentro
Fora: nada!
A dor comum de dentro por dentro do corpo do mundo
De dentro da dor por dentro
Um modo pessoal de ver
A dor do mundo por dentro
A percepção do interior do corpo do interior do mundo
O mundo interior da dor
E a dor na percepção do corpo do mundo
Um círculo fechado
E fora: nada!
Expulsão de fluidos crus
Cozinhados com palavras
A dor sai em forma de poema
Umas vezes
Rasgada
Outras
Moldada
Fora: fluidos modelados de dor de impressão
A impressão de estar perto dos outros
O elo pela renúncia de estar só
A dor expulsa pela renúncia à solidão
A dor de dentro
Inabordável
Irrefutável
Incomunicável
Inopinável
A dor não passa de uma opinião talvez inopinável…
por
Sílvia Alves
às
15:18
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quinta-feira, maio 11, 2006
Baudelaire a.k.a. Cabaret Murderer
«Se alguma vez se definiu erotismo como relação entre o amor e morte, deveu-se isso à percepção de um sentido muito profundo da "degradação", à maneira baudelaireana, do instinto sexual. O erotismo é uma metafísica da sexualidade.»
Herberto Helder in Photomaton & Vox
por
Sílvia Alves
às
04:12
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...os passos em volta...

por
Sílvia Alves
às
02:57
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